quarta-feira, fevereiro 23, 2005

51. Gaivota Branca... de amor e verdade!



Num raro rasgo de lucidez, Atílio, contempla o doce deslizar do Tejo. Recorda longínquos tempos em que, realmente, estivera vivo. Sorri. O compasso de outrora devolve-lhe a nocção exacta de estar suspenso entre dois mundos, sem que fizesse parte de nenhum, e ainda assim, era feliz. Sabia-o!

É da janela do quarto, onde o quiseram encarcerar aqueles que duvidam da imortalidade do espírito, que o assaltam as lembranças. Os risos eram então risos, os abraços... abraços e o amor tão real como a fome que começava a fazer com que o seu estômago se contraísse.

Dali a instantes soariam as 13 horas, entoadas por algum velho sino de igrejas das redondezas. As mesmas que, tantas vezes, visitara com Joana, aquela que o aguardava para lá das nuvens que se avistavam ao longe, na linha do horizonte... e que, de uma outra dimensão onde pouco interessava a carcaça que servia de abrigo à alma, vigiava cada um dos seus curtos passos.

Há dois anos que partira. Pelo menos, assim lhe repetiam sucessivamente! Como se ele não se recordasse da visão do caixão a descer ás entranhas obscuras da terra! O que eles não sabiam, era que só a matéria jazia algures, num cemitério. A alma, essa, elevara-se e visitava-o, de tempos a tempos, sob o disfarce de um corpo frágil de gaivota, imaculadamente branca.

Nesses dias quedava-se ali, de braços no parapeito a falar-lhe baixinho. Afagava-lhe as penas sedosas e confessava-lhe que, afinal, a espera se revelava longa... Não estava cansado de viver mas sim de a não ter do seu lado... ao adormecer, ao despertar, a cada uma das longas horas que ia contabilizando!

Mais forte que tudo, que a própria vida ou a tenebrosa morte, o sentimento imperava! Tinha sido assim aos vinte anos, quando partilharam o primeiro olhar, e era assim aos setenta, quando ansiavam que as suas sinas se reunissem novamente... e os fundisse numa só alma de amor e verdade!

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