segunda-feira, maio 22, 2006

114. E pronto!!




A casa é amarela, se calhar até é branca encardida pelo tempo mas pronto… o céu está mais azul do que nunca e o sol mais forte que em qualquer outro dia. O que mais se poderia dizer do fim de tarde em que Marta se aventurou pela avenida, sem horário a cumprir nem destino definido?!

Marta tinha pouco mais de vinte anos, o cabelo longo, ondulado e castanho, os olhos amendoados e a tez escurecida pelas muitas horas passadas na praia da Baforeira, porque sim e porque é sempre “bem”. Vivia numa dos degradantes bairros da Reboleira mas quem a via, baseando-se na aparência com que se exibia diariamente, certamente que a imaginaria num dos condomínios privados da linha de Cascais ou até do centro de Lisboa. Jamais acreditaria que dividia o seu quarto com duas primas e a “casa” com os pais, os tios, os primos e os avós. O trabalho como secretária valia-lhe uma remuneração que sustentaria uma família mas isso não lhe chegava. Talvez por isso não era raro vê-la submergir nas ruas do Bairro Alto, meter conversa com os estrangeiros a quem calorosamente surripiava um par de notas a troco de calor humano. Talvez o fizesse por prazer ou talvez fosse uma forma de compensar o amor que nunca encontrara, a paixão que tardava. Marta era assim e pronto!! Explicar para quê?! Gostava do sexo descomprometido, do dinheiro que recebia, de frequentar os hotéis mais caros de Lisboa e os bares mais “In”. Se a família desconfiava do que se passava nas noites em que se ausentava também ninguém comentava e como poderia se a promiscuidade começava em casa

Desde cedo percebera que não tinha um lar dito “normal”.

Tinha 10 anos quando pela primeira vez soube o que era estar menstruada. Assustada recorreu à mãe que enigmaticamente lhe explicara que passara a ser uma mulher e que havia coisas que deveria aprender sobre homens e mulheres.
Uma semana depois de acordar com o sangue a escorrer-lhe pelas pernas estranhou quando o pai a chamou à sala. As crianças nunca entravam lá quando os adultos se reuniam depois do jantar. Iam dormir, não faziam perguntas e pronto… quanto muito ouviam os gemidos, as respirações alteradas, riam-se no silêncio do quarto e perguntavam umas às outras o que estariam a fazer os “crescidos”.

Nesse dia o tio sentou-a no colo e cada um dos presentes dedicou-lhe uma atenção especial. Sem compreender porquê explicaram-lhe o que significavam as alterações que o seu corpo tinha sofrido e que deveria preparar-se para descobrir um prazer diferente daquele que sentia quando brincava com as bonecas, ouvia música ou lia um livro.

Depois disso tudo tinha acontecido de forma surreal… Avaliaram o seu corpo como um pedaço de carne pendurado no talho, tocaram-lhe o peito pequeno e roliço e esfregaram os dedos grossos no seu sexo até ficar inchado. Só pareceram satisfeitos quando a ouviram soltar um pequeno gemido. Ao contrário do que pensaram não era de prazer mas de dor… uma dor que ia além do físico que atingiu o clímax quando o tio a penetrou lentamente, diante dos risos e olhares irónicos de cada um deles. Sentira vergonha, dela, do seu corpo e de pertencer àquela família.

Com o tempo habituara-se àqueles rituais e aprendera a ter e dar prazer mas perdera completamente a esperança de descobrir um amor como o dos livros e filmes românticos que lhe enchiam a mente de sonhos.

Cresceu e pronto!

Viciou-se em prazeres carnais, apurou a imagem e passou a viver uma vida dupla e excitante onde os valores morais não existiam.