quinta-feira, abril 28, 2005

80. BookCrossing



Uma... duas... três semanas passaram desde que João encontrou o livro no anfiteatro da Gulbenkian. Engenheiro electrotécnico de profissão, não o entusiasmam livros que não os técnicos mas sente, há muitos anos, um especial fascínio por Da Vinci. Talvez por isso tenha, no final daquela tarde, folheado as páginas do famoso exemplar com alguma expectativa. Incapaz de interromper a leitura redescobriu o prazer de ler... Os seus olhos percorreram cada frase, com incontestável interesse pelo enredo que se revelara, inesperadamente, apaixonante.
Nos dias que se seguiram, muitos foram os amigos que o ouviram falar daquele aglomerado de folhas amarelecidas que de forma inusitada chegara até si.
Joana é membro de um grupo de leitura que engloba pessoas de várias nacionalidades e quando o ouviu relatar o episódio não se conteve:

- Provavelmente alguém se esqueceu dele...

- Não acredito... Eu tinha comprado o jornal e resolvi sentar-me no anfiteatro. Àquela hora não havia quase ninguém por lá. Bem vi quando uma rapariga o deixou num dos bancos. Estranhei. Quando me fui embora passei junto ao local onde o tinha colocado... Li o título e como estava abandonado trouxe-o comigo. – retorquiu ele.

- A Gulbenkian é um dos locais onde habitualmente abandonamos livros... Não reparaste se tem um símbolo com um livrito com asas?

- Não... por acaso não. Nem me tinha recordado desse disparate que vocês têm de deixar assim os livros. Com os preços que têm...

- Não é um disparate, João...

Ficou intrigado. Mal entrou em casa propôs-se a desvendar o “mistério” e qual não foi o seu espanto quando se deparou com o pequeno logotipo do Bookcrossing.
Este foi o primeiro contacto que teve com o movimento que no nosso país tem vindo a ganhar cada vez mais adeptos.
Os livros são caros, é verdade. Perder um assemelha-se a ficar-se espoliado de um tesouro mas emprestá-lo é permitir a outrem descobrir a magia que poderá abarcar na sua singela existência. Esta foi a constatação que levou João a inscrever-se como membro desta grande família de leitores. Hoje, tem duas dezenas de livros a circular por Portugal ou quiçá até pela Europa. Certo é que, partilhar estes bens que tem como preciosos, o satisfaz de forma muito positiva. Já ninguém se admira quando, entre um e outro café, lança o tema sobre a mesa e tenta motivar os restantes para a iniciativa. Fui apanhada nesta sua trama... e como ele não perco a oportunidade de a divulgar...
“O Bookcrossing é um clube de livros global, que atravessa o tempo e o espaço. É um grupo de leitura que não conhece limites geográficos. Os seus membros gostam tanto de livros que não se importam de se separar deles, libertando-os, para que possam ser encontrados por outros.
O objectivo do Bookcrossing é transformar o mundo inteiro numa biblioteca.”

sexta-feira, abril 22, 2005

79. Fim-de-semana prolongado...

A noite já deixou de ser uma menina quando por fim se escrevem as primeiras palavras. A escassas horas de entrar novamente no comboio, e vencer a distância que me separa daqueles que mais amo, vou enumerando mentalmente os companheiros de viagem: um caderno, um livro, uma caneta, a máquina fotográfica...
Sorrio.
Gosto de sorrir tal como gosto de escrever... e sempre que um motivo pertinente surge não deixo passar a oportunidade. Assim sendo, a boa disposição impera no curso dos meus dias, e a escrita também. Desta vez o mote foi o lembrar dos mimos que me aguardam... Um fim-de-semana prolongado até terça-feira que vai permitir “matar” saudades, não só de terras beirãs como também de familiares e amigos. Abandonado à sua sorte fica este meu cantinho. Por isso, resta deixar meia-dúzia de palavras a quem por aqui passar, a promessa de regressar em breve e votos de um excelente fim-de-semana.

Bom fim-de-semana.

quinta-feira, abril 21, 2005

78. O livro de cabeceira



Solto os dedos sob o dicionário e com um olhar enlevado admiro as páginas amarelecidas deste companheiro de viagem. Se me perguntassem qual era o meu livro de cabeceira seria este velho e pesado aglomerado de folhas que nomearia, para espanto de quem o ouvisse. Quantas vezes o abri ao acaso e me quedei perdida no tempo numa emocionante descoberta como quem percorre os trilhos desconhecidos de uma qualquer expedição. Ao contrário do que seria credível foi desta forma que apreendi o significado de palavras como hipocrisia, maledicência, xenofobia, ou ainda, júbilo, fleuma, ventura...
Hoje, muitas horas depois de ter escrito aquele conto que ficará durante algum tempo a fermentar antes de ser lido por mais alguém, vi-me a braços com um dilema: o que vou escrever?! Olhei a capa vermelha do meu amigo e sorri-lhe com a certeza de que ele me ajudaria. Foi assim que, de página em página, o texto foi surgindo e voltei a relembrar os irreverentes tempos de adolescente.
Nunca gostei de calão, dificilmente virei a gostar, mas aos quinze anos era frequente “escapar-me” o vulgar “porra”. Recorria a ele para manifestar o enfado e valeu-me a repreensão da, então, professora de português. A timidez daquela vez não me impediu de ripostar e de referir que “porra” não era calão. A definição que constava no dicionário referia que o termo era sinónimo de moca, porro, porrete... quanto muito, irra. Quando concluí, sentada na velha cadeira de madeira, encolhi-me envergonhada. Responder ao professor não era bonito nem de boa educação. Esperei de rosto vermelho nova censura mas, ao invés disso, fui brindada com um sorriso.
- Tens razão, Maria! Mas por vezes as palavras têm outros significados e, aquilo que pronunciamos sem maldade poderá ser interpretado incorrectamente. A decisão é tua... mas de futuro preferia que não voltasses a dizer isso.
- Sim, senhora professora... – respondi, agora sim timidamente.
O episódio ficou na memória e contribuiu, em muito, para que tenha normalmente cuidado com as palavras. O português pode, por vezes, ser muito traiçoeiro!

terça-feira, abril 19, 2005

77. Perigo: Colisão em 2034?


"Asteróide pode colidir com a Terra em 2034"
in Diário de Notícias, 19 de Abril de 2005

O dia 1 de Abril já lá vai e assim não fosse poderiam os leitores do Diário de Notícias imaginar que a este título se seguiam meia dúzia de palavras desfasadas da realidade. Poder-se-ía até supor que era, afinal, o produto imaginativo de um jornalista empenhado em se dedicar à ficção científica. Talvez até fosse um simples fã do filme "Armageddon", em que Bruce Willis e uma equipa de perfuradores de petróleo, na qual depositava a sua maior confiança apesar de se nos afigurarem um “bando de lunáticos”, aterram num asteróide em rota de colisão com a Terra. Mas na verdade, hoje dia 19 de Abril, foi este um dos temas abordados na edição do referido jornal, relatando-nos o que ontem, no britânico The Times, foi noticiado.
O asteróide em causa, baptizado com o nome de “2004 MN4”, vai em 2029 e 2034 “andar” demasiado perto da Terra. Ainda que nos seja revelado que, este corpo celeste, “não tem dimensão suficiente para pôr em causa a sobrevivência do planeta e dos seus habitantes”, não se pode ignorar que poderá “atingir a Terra com o impacto de uma explosão de 1000 megatoneladas, espalhando a destruição numa escala regional, na área do seu embate.”
No passado fim-de-semana, o canal AXN transmitiu o filme anteriormente indicado. Resta desejar que os cientistas possam detectar a tempo o perigo e equacionar uma solução, por mais extravagante que possa parecer como o foi em “Armageddon”.

domingo, abril 17, 2005

76. "Fiel ou Infiel" TVI



Ser fiel ou infiel é um tema que tem sido muito abordado. Há pouco mais de um mês foi divulgado na revista "FOCUS" (N.º 282, semana de 9 a 15 de Março) que a infidelidade tem causas genéticas e que quando a mulher procura parceiros extraconjugais pretende, desta forma, garantir os melhores genes aos seus descendentes.
Sabe-se que a infidelidade sempre existiu, que não é um problema do século XXI, mas o facto é que cada vez mais se constata o número acentuado de casos que se têm vindo a manifestar na nossa sociedade.
Da leitura atenta do texto publicado na referida edição fica a ideia de que a fidelidade é “anti-natura”. Será isto possível?! Para os mais conservadores certamente que não.
Onde se começa a ser infiel?! Quando se contempla alguém e o pensamento discorre de forma pouco abonatória para quem tem um relacionamento “estável” ou quando se dá aquele passo que leva à sua concretização física?! Para uns a traição tem início com o primeiro devaneio, para outros com o primeiro beijo, ou como alguns defendem quando o envolvimento se transforma em sexual.
Um investigador britânico do Hospital St. Thomas denúncia: 20% das crianças de dois bairros ingleses são fruto de relacionamentos extraconjugais, não sendo filhos dos supostos pais. Os dados apresentados são chocantes e levam à pergunta: Como seriam os obtidos se em Portugal se levasse a cabo semelhante estudo. Seriam idênticos, inferiores ou superiores?! Fica a dúvida.

“A traição é um acto de egoísmo. Na altura, pesamos os prós e os contras. E se vamos em frente é porque não gostamos da pessoa que está ao nosso lado.” Assim o disse alguém que já traiu. Mas se não se ama porquê manter uma relação?!

As perguntas vão surgindo enquanto poucas respostas se vão encontrando.

“Fiel ou Infiel” é um novo programa da TVI, emitido á sexta-feira. A ideia original vem do Brasil pela mão do apresentador João Kleber, filho de pais portugueses, oriundos da região norte do país e emigrados há algumas décadas naquele país.
A polémica instalou-se. Acusações são feitas e apreciações surgem nos media. O certo é que não se sabe o que é mais deprimente... se o formato do programa, com péssimos actores, se recordar a elevada percentagem de casos de infidelidade em Portugal ou o facto de haver pessoas, ditas inteligentes, que expõem a sua vida privada daquela forma.
Neste programa da TVI, como já é um hábito deste canal televisivo, explora-se ao mais baixo nível a condição humana sem qualquer tipo de respeito. Um respeito que devia começar nas próprias pessoas que se propõem a participar no teste.
Ser ou não infiel, ser ou não traído... é tudo uma questão de respeito, diálogo e carácter. Ou se tem ou não! Causas genéticas?! Não será antes a perda de valores, o stress, o egoísmo e uma acentuada leviandade no tratamento do mais íntimo dos sentimentos?!
Prefere-se pensar que este programa é mais um reflexo medíocre da deficiente personalidade que alguns (poucos, pelo menos assim se espera!) têm!

sábado, abril 16, 2005

75. Inspiração



Fecho os olhos, inspiro o ar
E da brisa do mar fica-me a recordação
De tardes perdidas no curso dos dias...
Dos meus... dos teus... dos nossos!
Os anos que não me pesam, passam...
Trazem-me, mais que tristezas, alegrias
E do ontem recupero apenas o necessário,
O suficiente, o imprescindível,
Para não me esquecer...
Do que fui e do que sou!

Fecho os olhos, inspiro o ar...
Sinto o peito estremecer,
Numa tal comoção que por instantes...
Sinto-me desfalecer.
Amanhece ou anoitece.
Nasce-se ou morre-se.
Vive-se, sabendo que o amanhã...
Será mais um dia de esperança!

Fecho os olhos, inspiro o ar...
De mim para mim digo... sei-o!
Vivo um sonho!
O de ser eu própria a cada despertar,
Sem máscaras nem mentiras...
Assim... e assim... Enfim! Eu!

quinta-feira, abril 14, 2005

74. Crise...



O olhar queda-se imóvel sobre a encruzilhada de letras e linhas impressas no jornal, enquanto no seu íntimo a revolta ganha forma. Suspira e quase desiste de fixar os insolentes anúncios de emprego.
Há meses que abre o jornal expectante mas nada de novo é publicado naquelas cinzentas páginas. Ordenados base, altos lucros, condições aliciantes e possibilidade de carreira... a esses mal presta atenção. Para quê se são palavras escolhidas a dedo para esconder degradantes situações de trabalho precário?!
Afasta por fim os olhos esverdeados do papel salpicado de caracteres e observa os rostos sisudos dos que a rodeiam. Um casal discute baixinho... um senhor, de idade avançada, debruça-se sobre um livro de páginas amarelecidas e, mais além, dois jovens desabafam sobre a incompetência deste, a inércia daquele... Inês encolhe-se no desconforto da cadeira de madeira e, abstraindo-se da realidade dos dias que correm, imagina-se a trabalhar no departamento de formação de uma qualquer empresa. Ali fica, envolvida em sonhos, um quarto de hora quando sobressaltada se apercebe que lhe perguntam as horas. O interpelador era o leitor compenetrado daquele livro que já vira melhores dias...
13:50... Quase sem se aperceber o tempo passara. Tinha que regressar ao trabalho... sem a esperança de melhores dias!
Inês é uma, entre muitas, das pessoas que neste país se debatem com a insatisfação profissional, sem conseguir antever um rasgo de luz. Não fosse o reconfortante carinho de amigos e familiares a sua vida seria simplesmente frustrante. Assim... é no amor, na amizade, na verdade e na lealdade que encontra o mote dos seus dias! Talvez por isso se considere afortunada...
Diz-se que o país está em crise económica... mas a ela parece-lhe que a crise vai além disso. Foi acompanhada por este pensamento que alcançou a porta do prédio onde trabalha... e bem a tempo de ver o Dr. Carlos afastar o olhar de uma criança, suja e esfomeada, que se lhe dirigiu.
No seu silêncio descontente insurgiu-se perante semelhante atitude. Sem coragem de subir as escadas e, também ela, ignorar o tímido pedido da menina perguntou-lhe:
- Tens fome?
- Tenho... hoje só comi uma sopa que o senhor do “Tacho” me deu.
Entraram as duas no café que ficava ali mesmo ao lado. Era cliente habitual daquele pequenino estabelecimento e o Sr. João quando a viu sorriu...
- Não diga mais nada... que eu já sei o que me vai pedir.
- Obrigada, Sr. João. Eu ás seis pago-lhe.
- Vá descansada.
Um sorriso espontâneo abeirou-se dos seus lábios enquanto subiu apressadamente as escadas. Estava atrasada cinco minutos mas feliz...
A crise económica não explica a frigidez do coração nem o latente egoísmo de algumas, demasiadas, pessoas!

sábado, abril 09, 2005

73. "Só o amor é real"
Brian L. Weiss



A “primeira” vez que te vi foi no aeroporto de Lisboa. Faltavam trinta minutos para embarcar, rumo a um destino onde poderia finalmente descansar, e esquecer o projecto fracassado devido à incompetência do gestor de marketing.
Trazias contigo um pequeno volume, embrulhado num bonito papel com sorridentes ursinhos. A forma cuidadosa com que o seguravas enternecer-me. Na altura, recordo-me, imaginei-te no papel de pai. Inconscientemente, soube que serias, um daqueles, atento, amigo, carinhoso, paciente... dedicado! Simpatizei contigo.
Demasiado embrenhada nestas deambulações mentais não me apercebi que a diminuta carteira que trazia comigo escorregara colo para o chão. Recolheste-a. Encontrei o teu olhar e senti-me como se tivesse sofrido uma descarga eléctrica. Agradeci. Procurei sem querer uma aliança na tua mão esquerda, que não encontrei. Sorri e observei-te a caminhar em direcção ás portas de embarque.
Pensava que “nunca mais” te veria mas isso não me incomodava. Talvez soubesse que numa outra vida nos acabaríamos por encontrar. Não foi preciso esperar tanto. Quis o destino que o nosso avião fosse o mesmo e determinou a sorte que o teu lugar fosse junto ao meu. Foi deste modo que me foi possível saber que ias visitar a tua irmã. O Gonçalo tinha nascido há uma semana.
Como qualquer tio “babado” não resistiras a pedir alguns dias de férias. Confessaste-me que te pesava a consciência porque deixaras a meio um qualquer relatório.
A ansiedade dominava o teu espírito. Em breve irias conhecer o teu primeiro sobrinho. Ficarias “uma semana” em Nice. Eu também. Eu regressaria no Domingo e tu no Sábado. Não trocámos números de telefone e nada previa que nos voltássemos a cruzar. Qual não foi o meu espanto quando te vi, naquele Domingo, junto à zona de “check-in”. Tinhas adiado a tua viagem de regresso um dia e timidamente confessaste que tinha sido por mim.
O contacto manteve-se. Uma sólida amizade nasceu e quando nenhum dos dois conseguia já negar o inegável... dez meses depois da viagem a terras francófonas, pediste-me para casar contigo. Aceitei.
Hoje, doze anos depois, quatro desde que percebi a razão daquela intrigante sensação de sempre te ter conhecido, voltei a ler o livro que me permitiu compreender. “Só o amor é real”, escrito por Brian L. Weiss, recordas-te?! Não teria sido necessário lê-lo para saber que sempre estivemos destinados a partilhar a vida mas ajudou-me a decifrar o elo inquebrável que nos une.
Ás vezes, perguntas-me se sou feliz. Muito, respondo. Tanto que não existem palavras que possam descrever a dimensão desta felicidade.
Sabes... mais do que na vida, acredito no poder do amor e nos desígnios do destino.
Creio que nunca te disse, mas antes de te conhecer inúmeras vezes me questionava como seria amar alguém ou encontrar aquela que seria a minha alma gémea. Sentia-me como se estivesse, pacientemente, à espera... Conscientemente, não sabia do quê ou de quem. No entanto, algures nas entranhas do meu ser sei que era por ti que aguardava... O complemento mágico da minha essência estava em ti.
Porque te escrevo esta carta, querido?! Porque por mais que te repita que te amo nunca serão as vezes suficientes para retratar o amor que te tenho!

Amo-te! Hoje mais do que ontem... menos do que amanhã!

Com amor,

Ana


Ana tem hoje 44 anos, mais de metade da sua vida dedicou-a a estudar e trabalhar. Até conhecer João não tinha outra motivação que não fosse ter uma confortável estabilidade económica. Os dias eram incrivelmente vazios e desprovidos de emoção. Aos 31 anos apaixonou-se por ele, quatro anos mais velho e tão “workaholic” como ela. Juntos descobriram a magia e o poder do amor, delinearam um novo projecto de vida e descobriram que é possível ser-se, verdadeiramente, feliz.
O que é verdade?! O que é mentira!? Só o amor que os une é real!
Têm um filho de oito anos. Um menino a quem se dedicam com um amor infinito. Idealizam e concretizam cada dia como se fosse parte integrante de um sonho... e têm no livro de Brian L. Weiss a “prova” de que os seus passos estão eternamente unidos.
Ana e João ousaram ouvir a voz do coração!

quarta-feira, abril 06, 2005

72. Reflexão matutina




O funcionário camarário lava a rua e os passeios enquanto a empregada do pequeno quiosque vai servindo cafés aos matutinos clientes.
O céu está nublado e o ar húmido. Será Outono?! Não! O calendário não deixa margem para dúvidas. A Primavera sucedeu ao Inverno há cerca de duas semanas e faz-nos sonhar com o resplendor da natureza.
A música popular é emitida pelo pequeno rádio. A sorridente senhora que, entre simpáticos comentários, presenteia os clientes com os “bons-dias” sintonizou-o, há momentos, ao acaso.

O edifício imponente do pavilhão Atlântico assemelha-se a um cogumelo gigante e da enchente humana que assaltou o seu recinto não resta o menor indício. Os degraus de que o envolvem estão impecavelmente limpos.

Diariamente deparamo-nos com inúmeras notícias que retratam uma Lisboa suja, repleta de estradas com pavimento irregular e “esburacado”, passeios convertidos em parque de estacionamento ou casa de banho da espécie canina e ambientes tão decadentes que é com prazer que, nesta hora, se contempla o ambiente que nos rodeia.

Na esplanada as mesas estão dispostas de forma geométrica e algumas foram ocupadas por pessoas que trabalham nas imediações. As conversas são mantidas num tom controlado. Um ou outro veículo passa a baixa velocidade na estrada que nos separa da imponente construção, em tempos designada por pavilhão Multiusos.

Comparar este “recanto alfacinha” com outros da cidade é impossível, na medida em que seria injusto e tendencioso. Como confrontar o reboliço de Picoas, da baixa pombalina, ou até de Alvalade com o quotidiano semanal do espaço da antiga Expo 98?! É verdade que, durante o fim-de-semana, é assaltada por forasteiros. Incontestável que depois do pôr-do-sol, naquela hora em que o “lusco-fusco” antecipa a nostalgia da noite, muitos são os que aqui se refugiam. No entanto, nesta altura do ano e durante o dia (leia-se... desde a alvorada até ao anoitecer) a calma é uma constante.
Os tímidos raios solares que possam espreitar os nossos passos não são, ainda, suficientemente persuasivos para nos confrontarem com o aglomerado de pessoas que, por altura do Verão, já se tornou num frequentador assíduo.
A propósito destas deambulações pelo Parque das Nações, nada me apraz mais do que, nas manhãs de Sábado ou Domingo, de bicicleta em punho e pés nos pedais, percorrer os trilhos que por aqui foram construídos. Mas... Há sempre um “mas...”! Nada me parece mais vil do que ver pais a arrastar os filhos em berraria, pelos mesmos passeios, rumo ao “Vasco da Gama”, numa daquelas tardes em que o tempo que se impõe exige algo mais que centros comerciais. Pudesse eu sugerir um outro programa e decerto nomearia uma descontraída caminhada pela praia, um refrescante jardim e muitas brincadeiras à mistura.
Será falta de imaginação? Questiono... Terei sido a única a verificar que as crianças portuguesas já não sorriem como outrora?! Duvido!
Não será um comodismo egoísta o sujeitar dos mais pequeninos a um ambiente de stress e comida de “plástico”?

Coloco a hipótese das opções seguidas se basearem em factores económicos. Surge a questão: O custo de uma pequena viagem até à praia será maior do que aquele que está inerente à visita a um espaço onde proliferam os apelos ao consumismo?!

Poderei estar a analisar incorrectamente as motivações que determinam o comportamento das referidas famílias e a ser injusta. Quero acreditar que sim.
Talvez seja uma perspectiva baseada num reflexo da minha atitude pessoal. Não resisto a entrar no nomeado centro comercial sem realizar uma, exaustiva, expedição pelas lojas do costume... normalmente, as que comercializam jornais, livros, material informático, música e brinquedos. No entanto, tenho como “dito e certo” que um dia solarengo é sinónimo de um bela caminhada pedestre ou uma visita à praia. Acompanhada de uma garrafa de água, duas ou três barras de cereais e meia dúzia de euros tudo é possível. Despendioso?! Nem por isso, basta ser-se ponderado.

Releio a reflexão que aqui se apresenta. Confronto a minha tarde ideal com a daqueles seres que preferem o stress de uma multidão à descontracção da visão do mar... Mais uma vez, não me é possível compreender a opção!


Sugestão para os pais que por aqui passarem:

Se não são adeptos da praia ou o tempo não os seduzir, em Lisboa e não só, existem inúmeros jardins e parques infantis onde as crianças poderão dar azo ás suas brincadeiras sem estar sujeitas a ambientes pouco saudáveis.

A DECO divulgou, na edição de Abril da revista Proteste, um estudo sobre a segurança dos parques infantis que indica quais os locais a evitar e aqueles onde a segurança impera. Lamentavelmente, o estudo apenas está disponível online para associados.

Se desejar mais informações ou tornar-se sócio da DECO visitar o Site.


Ambientes e actividades saudáveis para as nossas crianças? Sempre!

sexta-feira, abril 01, 2005

71. Concurso Literário:
"Por um Portugal mais letrado"



O dia avança. A tarde é atirada para o passado e de entre “nenhures” chega a notícia. Solene, polémica, inserida a pretexto de nada, mas tão perspicaz como a selecção de Santana Lopes por Durão Barroso, quando imperava a necessidade de demonstrar, ao povo português, que havia quem pior governasse. Mas isso são águas passadas. O tempo é outro. Sócrates “encabeça” o governo e o estado de graça, ainda, é uma realidade.
Os media envolvem-se num assolapado unanimismo. Nada de novo. Tudo é previsível, monótono e deprimente. Com estupefacção, olhamos o jornal diário, prostrado em cima da velha mesa de carvalho. Em letras garrafais, é anunciada a última medida proposta pelo governo, no sentido de combater a iletracia.

O Ministério da Cultura promove até Maio um concurso literário sob o lema “Por um Portugal mais letrado”. A iniciativa está aberta a todos os portugueses, residentes ou não em território nacional, que tenham entre 16 e 35 anos. Os participantes terão que entregar os textos, sob a forma de conto e tema livre, até ao dia 31 de Maio.
Cinco mil é o limite máximo de palavras a utilizar. Cinquenta o número de textos a seleccionar para serem reunidos numa edição a distribuir gratuitamente pelo país.
O prémio, esse é meramente simbólico. Para os três primeiros lugares está previsto que não ultrapasse os 2500 euros.

Dirão os mais críticos que a iniciativa apenas contribuirá para gastar o dinheiro dos contribuintes. No entanto, para outros, talvez uma minoria, o empreendimento proposto poderá sensibilizar a população para a problemática envolvente à iletracia, e até motivá-la para a leitura e escrita.

...a ver vamos!