quarta-feira, outubro 27, 2004

2. "Corações em Silêncio" Nicholas Sparks



Um, dois, três...

Os passos não perdem a firmeza quando pequenas gotas de suor começam a deslizar-lhe pelo rosto e o olhar se perde no horizonte.
Uma leve brisa despenteia-lhe o cabelo sedoso enquanto procura voltar a controlar a respiração. Inspira o ar puro...
Há quanto tempo estaria a andar?! 30 minutos, uma hora, duas ou três?!
Saíra de casa mal retornara da praia... a casa sufocava-o! Sentia em cada recanto, em cada peça de decoração a tua presença e perguntava-se quando chegaria o dia em que assim não fosse!
Quanto tempo passara... um ano, dois ou três?!
A vida parecia-lhe um fardo demasiado pesado! Custava-lhe levantar-se pela manhã e ver o seu rosto precocemente envelhecido, percorrer a casa e, aqui e ali... relembrar... O silêncio impregnava cada centímetro cúbico da fustigante tensão que carrega no seu interior e de dentro das paredes parecia soltar-se o eco dos teus risos... a doçura do teu perfume... A dor era desesperante!
Mal entrava em casa pousava as chaves e, apressadamente, procurava no frigorifico quase vazio algo para comer. Trocava o fato formal e incómodo por umas calças de algodão... uma camisola de linho azul marinho... a tua cor preferida e fugia daquele que um dia fora um lar... As horas seguintes passava-as a andar junto ao rio.
Admirava a calma das suas águas e era-lhe possível alhear-se da sua vida... Aquele era o momento dele e da memória dos teus carinhos, das noites de paixão... do teu cheiro... e acima de tudo da memória de uma emoção mais forte que tudo: o amor que vos unia...
No inicio, era pior! Os dias transcorriam lentos... o seu olhar era triste e vago, sempre cabisbaixo, caminhava por entre as pessoas como se fosse o único ser que existia à superfície do planeta! Foi assim que, no fim de uma tarde... a dois dias de terminar a Primavera, esbarrou em alguém...
Sucedeu-se um pedido rápido de desculpas... uma troca de olhares... e o episódio ficaria por ali, não fosse um menino... Os olhos grandes como amêndoas... pousados em si com uma ternura tal que, quando lhe estendeu o pequeno brinquedo não hesitou em aceitar e dizer-lhe olá...
Pelos traços delicados reconheceu as feições da mulher que parada na sua frente sorria...
Quantos anos teria o menino?! Um, dois ou três? A idade do seu filho... a idade que teria se...
Dez breves minutos transcorreram de pura delicia para os três... que riam, divertidos com a brincadeira dinamizada pela criança. A despedida veio... mas não o esquecimento!
Aquele esbarrar elevou-lhe o olhar... Os encontros, aparentemente casuais, sucederam-se.
Convencia-se que quando agora passeava pelos mesmos passeios mantinha os mesmos motivos mas seria?! Fora feliz no passado... Ousaria arriscar de novo?!
A recordação do acidente estava demasiado presente na sua mente e sentia-se culpado quando era sobreposta pela imagem de Leonor... e Vasco... que reencontrava várias vezes nos passeios do final da tarde.
Perdera-te... e perdera o vosso filho num trágico acidente no Ip5...
Ainda que não saibas, tudo sucedeu porque o condutor de um pesado, após muitas horas de condução, adormecera... Uma fatalidade que custou a vida ás duas pessoas que o teu marido mais amava...
Hoje, mesmo depois de tanto tempo, quando olhava para o passado... sofria... e sentia as suas entranhas revirarem-se numa fúria contida contra o destino... seria capaz de se entregar novamente...!?
Leonor, percebia a sua hesitação... partilhava a sua dor... e compreendia-a como ninguém.
Há dois anos e meio, também, ela vira o seu marido sucumbir, no auge da idade, de uma paragem cardíaca. Excesso de trabalho... haviam justificado os médicos!
Cansado pela caminhada, parou junto dos inúmeros bares que ladeavam as margens do rio.
Sentou-se numa mesa e ficou ali... um, dois, três minutos... a contemplar o carinho com que dois idosos se olhavam... Dentro dele algo mudou...
Tu, o vosso filho... não foram um sonho... partilhara momentos únicos e nada nem ninguém os apagaria! Condenar-se à solidão e ao sofrimento, nu e cru, era algo que não fazia sentido! Queria chegar a velho... olhar para o lado e não estar sozinho...
O tempo passara por vós...
As horas esvaem-se e as estrelas já brilham no alto do céu! Finalmente, sente a vida retornar... Uma cadeira é arrastada e ocupada... perdura para todo o sempre a memória de todos os momentos partilhados... um tesouro precioso a brindar com um sorriso... um doce sorriso onde não há manchas de lágrimas e sofrimento... só assim poderá continuar a caminhar...