sexta-feira, março 18, 2005

64. Máscaras da (in)diferença



No restaurante apinhado ouve-se um murmúrio abafado de vozes enquanto os teus dedos tremem. É tempo de confissões e revelações. Bebo as tuas palavras e estremeço ante a dor que delas trespassa.
A realidade cruel inerente à tua condição de ser diferente acerca-se de mim. Por ti e em ti procuro compreender, esvair-me da conservadora educação recebida, e abrir a mente.

Gosto da tua voz mansa, da doçura do teu olhar, do pensamento sincero e carregado de emoção e, na verdade, mais do que tudo isso, da amizade que nos une.

Respeito-te! Admiro a tua personalidade equilibrada e a forma distinta com que impões, discretamente, a tua presença afável.

Deixarás de ser quem és por seres diferente?! Será imerecida a consideração que te tenho só porque a vida te traçou um destino que não corresponde à norma?

Corta-me o coração ouvir-te dizer que manterás a máscara... quando te pergunto se terás coragem de te condicionar ao que não és e casar com a Marta.
Uma nova questão é formulada: Serás feliz? Não respondas! Eu sei a resposta que pronunciarás.

Chamas-lhe disfunção hormonal... Concordo contigo, envergonhada pela junção de ideias distorcidas a que recorre a sociedade para a explicar e, pior, para a marginalizar.

Respiras, amas... sentes como eu! O teu sangue também é vermelho e, também, o teu coração bate (des)compassado...

Nasci mulher. Tu, por um acaso da natureza, homem....

Olho o teu rosto bonito e pressinto o bloqueio que te impões... essa rejeição ao que és a corromper-te os dias e nada mais te posso pedir que não seja gostares de ti. Como eu gosto. Como os teus pais... como todos gostamos!

Na diversidade, igual a nós e a todos aqueles que subjugados ao preconceito se recusariam a reconhecer-te por detrás do artefacto castrador! Vejo-te para além dele. Aceito-te sob o jugo desta amizade sincera e inocente, como o são aquelas pueris que temos na infância.

Dir-te-ía mais. Anseio pelo dia em que te ames o suficiente para não chamar à tua individualidade anormalidade. Ou, por um outro em que, aqueles que te rodeiam, te compreendam o suficiente para te aceitarem.

Afirmar que és uma pessoa muito especial será pouco. Confessar-te o carinho que te dedico, sem te referir a amizade que me leva a desejar-te toda a felicidade do mundo, seja partilhada com a Marta ou com o João, também o seria.
Por tudo. Por nada. Pelo que és. Pelo que sou. Quero que sejas, apenas, Feliz!

Todas estas palavras que, agora, escrevo, no fim de uma tarde solarenga de Março, enquanto o comboio desliza sobre os carris escuros... tão escuros como a mente da sociedade... são a minha forma de apelar a valores mais altos... o amor e o respeito!

A homossexualidade poderá até ser atípica à condição da sexualidade humana... mas nem por isso terá que ser sinónimo de segregação, marginalização e total ausência de respeito.

Homossexual ou não... Alguém! Humano! Amigo!

A máscara da (in)diferença é um fardo injusto e pesado de mais...

Como te disse:
Nasci mulher. Tu, por um acaso da natureza, homem....
Por tudo. Por nada. Pelo que és. Pelo que sou. Quero que sejas, apenas, Feliz!

Sem comentários: