terça-feira, março 08, 2005

58. Risos Tristes



Era uma vez um menino franzino... os olhos grandes, o cabelo rebelde e um sorriso que, de tão meigo e espontâneo, nos fazia acreditar que não haveria maldade ou sofrimento a envolver os seus dias. Tinha três irmãos. Todos mais pequenitos que ele. O pai, trolha a dias, a mãe desempregada e alcoólatra, presença assídua dos cafés mais mal frequentados da rua, e a bisavó, já sem a paciência de outrora, corroída pelo passar dos anos e pela doença, completavam o seu quadro familiar.
Moravam numa pequena casa cedida pela junta de freguesia, depois da anterior ter ardido. Um descuido, numa fria noite de inverno, valera-lhes a desgraça.

O ar adulto com que repreendia os mais novos sempre me fez sorrir e abstrair de todos aqueles momentos em que consternada antevia o triste desfecho, da suposta união daquele lar.
A confirmação dos meus temores demorou três anos a chegar...

Hoje, ao ler uma notícia sobre a chocante situação de mais de 15 500 crianças e jovens, acolhidos em instituições, veio-me à memória o seu rostinho quase sempre sujo, as unhas encardidas, o nariz por assoar, o cabelo empastado em parasitas e o frequente cheiro azedo da sopa que trazia no termo maltratado.
Setenta por cento, dos meninos que englobam esse número astronómico, não retornarão à família biológica nem terão outro lar... assim o refere a jornalista Paula Ferreira, no Diário de Notícias.

Pergunto-me por onde andará o Eduardo, nome fictício que lhe dou...

Há dois anos e nove meses foi retirado, conjuntamente com os irmãos, à guarda da família.
Os inúmeros avisos da assistente social foram ignorados. Alertas que pretendiam evitar este desmoronar da família que, bem ou mal, tinha.

Gostava que estas palavras fossem fruto da minha imaginação... uma história apenas! Um conto triste. Mas não! Aconteceu com um dos meninos, aluno, de uma escola pública de Lisboa, onde trabalhei.
Relembro-me desse tempo, revivendo angústias e alegrias, enquanto não ouso outra esperança que não seja que este menino de riso fácil possa continuar a sorrir... sem que nenhuma nuvem ensombre o curso dos seus dias.
Oxalá não pertença aos setenta por cento que hoje são nomeados!

Tem 8 anos... Três irmãos mais novos...

A eles, onde quer que estejam, só lhes posso desejar um futuro mais risonho que o passado...

(São estas as notícias que me atingem e sufocam... não outras, de birras infantis e ofertas de fotografias de alguém que só pretende melhorar o país que temos!)

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