quinta-feira, novembro 03, 2005

98. Inverno



O rigor do Inverno desce a rua
Abraça a árvore nua…
Sem sequer a fitar!


Revejo-te nela, quando sorris
E bebo o calor das tuas palavras,
Numa ânsia desmedida de recuperar o cálido fôlego.

Na verdade pura… crua…
És tu e só tu… quem desbrava a calçada,
Fustiga a intempérie,
E acarinhas um corpo frio, hirto…
A quem chamas Amor.

O sonho contorce-se à esquina.
Delira a ilusão.
Quem se aproxima é a dor…
Dor de saber gelado o coração.
Dor de conhecer o estado da alma.
Dor de pressentir distante o pensamento.

Inverno que é Verão,
Verão que é Inverno.
Brisa que não é vento,
Vento que não é brisa.
Velas que são trapos,
Trapos que são velas.
Eu e tu, numa viagem sem volta,
Onde nunca embarquei,
Onde não sentiste mais que revolta.

Sonho…
Invento…
Deliro…
Qual de nós o quente e o frio?!
O verdadeiro e o falso?!
O fiel e o traído?!
O seduzido e o sedutor?

Eu e tu, duas peças de um puzzle
Infame, irreal, obsoleto…
Onde nunca percebi pertencer.

Sorris, lábios contorcidos.
Sentimentos adormecidos, quiçá esquecidos
No momento em que te deixas abraçar
E te sabes não amado.

Quebra-se o encanto!

O rigor do Inverno desde a rua,
Abraça a árvore nua…
Sem sequer a fitar!


Desço-a…
O soluço paira já no ar,
Quando os meus olhos te confidenciam…
Não te posso amar.

10 comentários:

Anónimo disse...

A estação que encanta, numa aproximação que espanta ... ! Maravilha de impressão que se reflecte num pretérito repouso, capaz de trilhar futuros. Provei, saboreie e gostei !!! Força ! Bjinho

Maria disse...

;) cbricardo, há dias assim...
A meio da hora de almoço, sentada num recanto qualquer do café do costume, a música é nostalgica.
A chuva cai... e a imaginação flui.
Inventam-se palavras, escreve-se um poema que é mais dos outros que meu...
Sorrio e continuo a preencher o pequeno caderno de rabiscos... pelo simples e puro prazer de sonhar acordada.
;)
Há dias assim...

Obrigada pelas palavras e pela visita.

nspfa disse...

Caramba… depois do texto 99, onde o amor é retratado como "O verbo que se impôs, que se quis, que se embalou!", nada fazia prever o amargo das palavras deste. Um coração gelado, vento que não é brisa, soluços a pairar no ar… Não retira excelência aos seus textos, mas Maria, tenho de lhe confessar que é muito mais delicioso ler os seus hinos ao amor, que a cruel realidade em que às vezes este se torna.

Mas pronto, a Maria é que decide e o mais importante é que escreva… escreva muito! Seja de coração embriagado pelo amor ou gelado pela quebra do encanto, as suas palavras serão sempre um afago quentinho para a minha alma. O que dá jeito… porque estamos mesmo no inverno! :-)

Apesar da queixinha, gostei mesmo a valer.
Parabéns

Maria disse...

Luís,
a vida não é um conto de fadas.
Os dias não têm sempre o sol a espreitar no horizonte.
Os sonhos... são isso mesmo... Sonhos!
O amor é o amor e a ausência dele faz parte do quotidiano como a chuva que cai, o vento que se levanta ou o sol que nada impede de brilhar. De nada serve ignorar este facto, apenas nos faz viver num mundo solitário e de pura ilusão. Suponho que ninguém queira isso. Digo eu.

Quantos ao textos que apelida de "hinos ao amor"... creio que, sendo hinos, o são da vida.

Tino disse...

Maria,fazes o que queres com as palavras...só porque consegues sentir por momentos os sentimentos de todas as pessoas do mundo e considera-los teus por um segundo.
Um beijinho muito grande do teu miguinho e um bom fim de semana! :)

Anónimo disse...

Olá Maria, mais uma vez não fiquei nada surpreendido, tu tens uma facilidade enorme de retratar a vida em todo o seu esplendor, simplesmente a vida, com tudo a que a ela está inerente... fantactico todos nós sentimos na as tuas palavras.

não pares nem aqui... nem aí..

beijinhos

LM

Maria disse...

Tino, o teu comentário fez-me sorrir e acho que sabes porquê.
Adoro "encarnar" as personagens e imaginá-las tão vivas como eu, tu ou qualquer outra pessoa.
Sempre que escrevo tento que os enredos tenham alguma "magia" mas que não fujam ao que pode ser real. Exemplo disso foi o caso do Renascer das Cinzas... quem é que poderia conceber a ideia da Catarina morrer num fogo cruzado no México?! Ou quem acreditaria que ela acabava por voltar para o Vasco?!
:) Para fugir à realidade já bastam os contos tradicionais como "A Bela Adormecida" ou "A Gata Borralheira" que gosto de ler aos pequenitos.
;)

Um beijinho, amiguito!

Maria disse...

:) Luís (LM),
parar é morrer e eu gosto muito da vida. Cada vez mais!
Mesmo quando à nossa volta tudo parece varrido por um tornado, basta alargarmos o nosso horizonte visual, abrirmos a mente e o coração para vermos que há sempre um dia para lá do amanhã...
Para quem acredita, nem a morte é o fim. Talvez seja um recomeço...
Por isso, é impensável parar! Há que continuar a lutar pelo que se quer e manter vivos os sonhos! ;)

deep disse...

deixo um poema do Daniel Faria por nao ter melhores palavras
"
Como doem as árvores
Quando vem a Primavera
E os amigos que ainda estão de pé
"

Daniel Faria
in Explicação das árvores e de outros animais

Maria disse...

Cm,
deixaste muito bem! A poesia é sempre bem-vinda!