terça-feira, março 29, 2005

69. Passado ou presente?!


Luiz Carvalho, fotojornalista do semanário Expresso

"Histórias tristes de crianças abandonadas à porta das igrejas", é um título descritivo de uma realidade que se nos afigura representativa do que ocorria, em Portugal, no século XVI ou, mais tarde, no início do século XIX. Poderá induzir-nos em erro se a nossa análise do tema for baseada, apenas, na época em que na sociedade portuguesa existiam as chamadas Casa da Roda. Mas, na verdade, este é o alerta que há uma semana foi divulgado na primeira página do jornal A Capital. Em detrimento das lides políticas e económicas o destaque era este. Louvável, sem dúvida.
Num primeiro impacto recusamos admitir que, hoje, se mantenha tal prática. Aparentemente, longe vão os dias em que, sob o jugo da pobreza e valores morais distintos, havia quem a braços com uma criança (in)desejada a abandonasse a melhor sorte, à porta de uma igreja ou Casa da Roda. No entanto, através do que nos é dado a conhecer pela jornalista Susana Dutra, este tipo de ocorrência, ainda que não seja comum, faz parte dos tempos contemporâneos. Alguns exemplos aparecem retratados nas singelas páginas da referida edição

Da leitura atenta surge a necessidade de reflectir sobre o que está inerente a semelhante acto. Aponta-se, como o mais provável mote, a necessidade de, quem o pratica, saber que a criança será facilmente encontrada e encaminhada, quiçá, para uma família que a trate bem e lhe garanta um melhor futuro.
Uma atitude muito diferente daquela que leva a que outras sejam encontradas em caixotes do lixo, lixeiras, descampados, afogadas num qualquer ribeiro das redondezas, ou em qualquer outro local que de tão inóspito lhes dita a morte, num ínfimo espaço de tempo.

Outra informação revelada é o facto de que "o Estado quebra o elo com as pessoas que encontram as crianças, abrindo um processo para apurar as circunstâncias familiares e definir o projecto de vida". Muitos são os casos em que essas mesmas pessoas manifestam o desejo de adoptar as crianças. De um ponto de vista moral, deveria ser averiguada essa possibilidade.

Mais de 15500 crianças e jovens estão, actualmente, sob a alçada de centros de acolhimento. Cerca de 70 % não voltarão à família biológica, nem serão encaminhados para um lar de substituição. A polémica foi instaurada, há algumas semanas, pelos jornais nacionais e, de algum modo, leva-nos a questionar as políticas sociais que têm sido seguidas.

Há muitos anos, também, em Castelo Branco uma criança foi abandonada no Hospital Amato Lusitano. A consternação foi geral. Várias famílias locais manifestaram a intenção de perfilhar o bebé do sexo feminino. Curiosamente, o que é dado como impossível, foi possível. Um casal de enfermeiros conseguiu fazer valer a sua determinação. Adoptou a menina. Hoje, a jovem tem uma vida estável, num meio familiar onde o equilíbrio e o amor são uma constante. Dos contornos deste episódio da vida real pouco se recorda. O importante é que uma vida foi devidamente encaminhada, não para um centro de acolhimento mas para um lar onde conseguiu ter um real "projecto de vida". Foi-lhe assegurada a perspectiva de abraçar um "amanhã" distinto daquele que tantos (demasiados!) antevêem.

Deste apontamento d’A Capital fica, mais do que a referência a uma realidade que muitos (des)conhecem, a sensibilização para uma questão social que nos afecta a todos. Os níveis de pobreza, a iliteracia, os frágeis valores morais, o desemprego, o elevado custo de vida, os precários apoios do estado... e muitos outros factos traduzidos numa acentuada instabilidade política, económica e social, castram a população portuguesa e fomentam actos como este. Condenáveis. O reparo fica, assim, denunciado!

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