105. Os laços e as sombras ( V )
- Porcaria de trânsito! - o desabafo fundiu-se com a música vibrante que o rádio emitia e que em nada atenuava a ira que o consumia.
Os carros avançavam lentamente e os minutos não paravam de se acumular, irritando-o cada vez mais.
- Maldita seja! – explodiu.
Nas últimas vinte e quatro horas, o seu semblante adquirira um novo rasgo de arrogância, agressivo quase tenaz, que fazia com que os outros condutores não se atrevessem a mais que um fortuito olhar.
A mulher do carro ao lado observou-o. Tinha um perfil marcante: o nariz aquilino, o queixo bem desenhado e os olhos de uma tonalidade clara, talvez verdes, contrastantes com o cabelo negro. O resultado final revelava-se invulgarmente bonito. Só os lábios, contorcidos numa linha tão azeda como o fel, faziam com que qualquer pensamento mais romântico esmorecesse à semelhança de uma flor sem água ou oxigénio. A expressão daquele homem arrepiou-a. Parecia uma bomba-relógio.
O trânsito avançou, compassado, durante alguns quilómetros mas com o aproximar das portagens não tardou a que Afonso suspirasse com enfado. Detestava conduzir naquelas condições. Era impossível ficar indiferente àquele caos.
As másculas mãos crisparam-se, mais ainda, quando um Volvo se atravessou à sua frente e o obrigou a travar bruscamente.
- Otário, vê por onde andas. – gritara-lhe quase sem se dar por isso.
Com os nervos em franja olhou o relógio. Pouco passava das cinco horas e não chegaria se não, na melhor das hipóteses, dali a uma hora.
Regressara mais cedo que o previsto influenciado pelo telefonema, pouco amistoso, que recebera na véspera.
As palavras ainda ecoavam no interior do seu cérebro:
- És um traste. Como é que pude pensar que eras diferente…
- Deixa-me explicar-te. – pedira interrompendo-a.
- Explicar o quê?!?! Não há nada que justifique o que fizeste.
- Há!! Tu sabes disso, portanto não te armes em menina mimada e põe a mão na consciência.
- Como tu fazes...?! Não sejas hipócrita. Eu estava viva, não estava?!
- Estavas, mas todos pensámos...
- ... que nunca recuperaria!? Eu sei! O facto é que estou aqui e não quero mais chantagens psicológicas.
- Estás a ser ridícula...
- Isso é o que tu és quando me mandas flores, escreves bilhetinhos lamechas e pensas que me vais engrupir nos teus joguinhos sórdidos. Esquece. Esquece que eu existo... de uma vez por todas!
O telefone fora bruscamente desligado e Afonso ficara estático, assombrado com a descoberta de que, também ela, não era tão doce como imaginara.
O conflito que se gerara no seu íntimo levou a que cancelasse a palestra na universidade e regressasse a Portugal três dias antes do previsto.
Ali, impotente, cercado por uma imensidão de carros, arrependeu-se. Poderia ter adiado o confronto, ganhar tempo e permitir-lhe arrefecer as ideias. Mas não! Tivera que atravessar a fronteira debaixo de chuva cerrada, pisar no acelerador e esperar que quando chegasse ela estivesse no café do sr. João. Não se sentia com predisposição para lhe bater à porta de casa. Preferia conversar com ela num local minimamente neutro.
A ansiedade dominava-o quase tanto como o exasperava o trânsito, o descontrolo emocional que ela demonstrara e a sensação absurda de culpa.
A cancela foi levantada. Lisboa já se avistava no horizonte.
(Continua...)
Capítulos anteriores:
I II III IV V
16 comentários:
Ó valha-me deus, então agora até o Afonso se andou a portar menos bem! Confesso que não entendo estes homens que a Maria desencanta para protagonistas dos seus contos. Então se a Catarina esteve internada e à beira da morte não era dever do AMOR da sua vida estar sempre presente e ao lado da cama, a acompanhar todos os pormenores de modo a saber ao certo a evolução da situação clínica? Como pode ele ter presumido um desfecho errado? Como pode ele tê-la abandonado numa fase tão dramática? Eu proponho à Maria que a partir de agora me deixe ser eu a escolher um homem para a Catarina! Porque, ao contrário do que as mulheres dizem, nem todos são iguais…
Agora vamos ficar à espera da continuação… será que a Catarina perdoa ao Afonso, ou será que a centelha do AMOR se extinguiu de novo? Poderá o Vasco regressar, depois dos anos que precisou para perceber que o mundo é muito mais que o metro quadrado à sua volta? Um novo homem entrará na vida dela? Decidirá ela desistir do AMOR e ingressar num convento de freiras? Temos de esperar…
Seja como for, o EE já está por mim destinado à procura da felicidade para a minha querida amiga Catarina, e que, já agora, pelo meio também faça muito feliz a Maria.
Beijinho e parabens
:)
Luís, é melhor aguardarmos pelo desenrolar do enredo. Nem tudo o que luz é ouro. ;) E mais não digo!!
As respostas vão surgir com o tempo.
Quanto à Maria... está de boa saúde, de sorriso nos lábios e fascinada por mais esta história!
Beijinhos,
MAria
Querida Maria Nunes
Acompanhando esta interessante história...
Um beijo
Daniel
Maria fiquei presa à história, que vai acontecer à Cataria e ao Afonso?
vou ficar à espera de novidades, a históra promete sim.
beijinhos meus
lena
Ola!
A tua escrita tem o condão da expectativa, da vontade de virar a folha! Fico à espera!
Bjinho Maria
... que venha o seguimento!
Miguinha fofa,eu quero isto em papel!Já se trata aqui de uma história a sério,lê-la no monitor já começa a ser complicado!!! :) Se eu pudesse bem que te oferecia mais 12 horitas por dia para teres tempo para tudo...ehehehe um beijinho fofinho para ti! :)
Daniel,
agradeço a atenção dedicada a esta história que não passa de um teste a mim própria.
Até agora limitava-me a escrever pequenos textos... Resolvi arriscar e elaborar um enredo mais longo e espero que mais rico.
Um beijinho
Maria
Frog,
espero que a história continue a prometer.
Este fim-de-semana mais um novo capítulo vai surgir e outros se seguirão.
Um beijinho e bom fim-de-semana.
Lena,
antes de se saber o que vai acontecer à Catarina e ao Afonso "muita água vai correr debaixo da ponte".
:) Já escrevi mais três capítulos e do desfecho nem sombra. Porquê?! Porque a vida é "tramada" e, por vezes, dá voltas e mais voltas.
:) Para já até espero que a história continue a prometer pois estou a gostar de a escrever.
Um beijinho e obrigada
Cbricardo,
lamentavelmente esta semana o tempo pareceu voar e não consegui editar o texto seguinte.
Espero que gostes do que se segue e que amanhã já estará por aqui.
Obrigada pelo elogio.
Um beijinho
João,
obrigada.
Espero que continues a gostar.
Um beijinho
batista filho,
não fosse a hora tão tardia e seria "já a seguir" mas terá que ficar para amanhã.
Beijinho
Tino,
bem que precisava de mais 12 horitas.
Escusas de me ralhar mas hoje já passava das 21 horas quando sai do instituto.
A próxima semanita tem que ser mais branda para recuperar o tempito.
Está descansado que já tenho a história em papel para o menino. Aliás, não a história completa mas os primeiros cinco textos. :)
Beijito grande
passei para te deixar um olá, sei que é complicado gerir o tempo, ou nem sei se é ele que nos comanda a nós
beijinhos menina das palavras
lena
Lena,
hoje, finalmente, creio ter conseguido vencer a luta contra o tempo... Será?! :) Espero que sim... pois já tenho vários capítulos escritos e está na hora de actualizar o meu cantito.
Obrigada pelo olá e pelo beijinho.
Beijinhos também para ti.
Maria
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